Voyeurismo não é só curiosidade sobre a intimidade alheia
Segundo os especialistas consultados por UOL Comportamento, há mais homens do que mulheres voyeurs, por questões culturais. O homem é socialmente mais estimulado à prática, enquanto as mulheres, historicamente, sempre foram sexualmente reprimidas.
"Bons exemplos de que o homem, culturalmente ou biologicamente, dá mais importância ao visual do que a mulher são as revistas eróticas e os filmes pornográficos. Esses produtos, em geral, são feitos para eles. E as publicações de nudez masculina são destinadas aos homens homossexuais", afirma Cláudia Bonfim, doutora em Educação na área de História, Filosofia e Educação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"Isso não significa que o sexo feminino não goste ou não possa ser voyeur, mas precisa aprender e se permitir a sentir mais prazer através do olhar", explica Cláudia, que é autora do livro "Desnudando a Educação Sexual" (Papirus Editora).
O voyeurismo é, segundo ela, uma forma de realizar os próprios desejos através dos outros. "Em geral, o voyeur é alguém inibido, que não tem coragem ou apresenta dificuldades de realizar suas próprias fantasias. Assim, busca satisfazê-las projetando-se nas outras pessoas", diz.
"O simples fato de algumas pessoas sentirem prazer ao olhar não deve ser considerado um problema sexual, desde que isso não se caracterize como a única forma de excitação e de atingir o prazer", explica Cláudia. A grande questão é que, como o voyeur realiza tudo o que deseja na fantasia, muitas vezes, o sexo já não o satisfaz e deixa de ser praticado.
Está desconfiado do seu comportamento? Observe se a prática começa a se tornar doentia, interferindo em outras esferas da vida: sociais, profissionais, familiares. "Se causa sofrimento e culpa e, mesmo que se sinta mal, você não consegue deixar o hábito, procure ajuda profissional”, diz o psicólogo Maurício Amaral de Almeida, formado pelo IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo) e que desenvolve estudos na área de sexualidade humana e comunidades fetichistas.
Segundo a psicóloga Iracema Teixeira, presidente da SBRASH (Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana) e consultora em projetos de sexualidade humana dirigidos às áreas clínica e educacional, raramente um voyeur busca ajuda. "Quando isso acontece, o mais comum é que o par flagrou a pessoa no ato ou achou instrumentos como lunetas e binóculos", conta. A descoberta nunca é algo fácil de digerir, pois tem um impacto profundo na relação entre o casal.
Ao se dar conta de que o par é voyeur, é normal que a pessoa se sinta traída. Embora dificilmente tenha ocorrido infidelidade, de fato, descobrir que o parceiro tem um lado de sua sexualidade oculto causa sofrimento e decepção. E é difícil entender que, nos casos mais extremos, o voyeurismo continuará ao longo da vida da pessoa, que não consegue abandonar sua fonte de prazer.
"A vontade só deve diminuir com o tempo, conforme a libido naturalmente se atenua", fala Alexandre Saadeh, professor do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e médico supervisor do Instituto de Psiquiatria do HC-USP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). De acordo com Alexandre, o casal precisa conversar muito e, talvez, levar a discussão a um terapeuta.
O voyeur pode ser considerado um criminoso, caso o objeto de observação se sinta invadido em sua privacidade e dê queixa à polícia. Alguns só admitem o que fazem quando são pegos em flagrante pelo alvo. Eles têm uma lógica interna própria em que não veem problema nenhum em invadir a privacidade alheia, já que consideram que não machucam ninguém nem há contato sexual.
Shows de sexo explícito, espetáculos de striptease e filmes pornográficos são alguns dos recursos que, teoricamente, serviriam para atender aos desejos voyeuristas. Mas não é bem assim.
"É claro que muitas pessoas, inclusive casais, podem satisfazer suas fantasias com esses estímulos, já que eles também captam e excitam o olhar. Para o voyeur, no entanto, a graça é a pessoa não saber que está sendo observada”, diz Alexandre.
Fonte: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2015/04/07/voyeurismo-nao-e-so-curiosidade-sobre-a-intimidade-alheia.htm